quinta-feira, 14 de março de 2013

Bons Livros.......(100)


CARTAS DA ZONA DE GUERRA: ALGUM DIA VOLTARAM A CONFIAR NA AMERICA ?

MICHAEL MOORE..................(2004)

Ainda durante a corrida presidencial norte-americana de 2004, Michael Moore, em sua campanha particular contra o presidente Bush, resolveu compilar e-mails e cartas enviadas a ele por militares que estavam ou estiveram no Iraque, e de seus familiares. O resultado foi o livro Cartas da Zona de Guerra, traduzido e publicado no Brasil pela editora Francis em 2004.

Para o San Francisco Chronicle, em sua crítica ao livro, Michael Moore seria visto daqui a décadas pelos historiadores como alguém que capturou o espírito de seu tempo.

Eu não iria tão longe. Durante a seleção dos e-mails e cartas que seriam publicados no livro, ficaram de fora visões contrárias às defendidas pelo cineasta. Neste sentido, a obra é extremamente unilateral, dando a impressão de que grande parte dos militares compartilha com as visões de Moore sobre administração Bush.

Contraditoriamente ao que o livro sugere, ao analisar os depoimentos percebe-se claramente a sensação de isolamento desses soldados perante seus colegas. Edward Dalton, por exemplo, da 101a. Divisão Aerotransportada, escreve: “Fico espantado como as pessoas são cegas, principalmente meus colegas soldados”. Charles Davis, soldado raso servindo na Coréia do Sul, completa: “Você pode imaginar como é difícil ser liberal no exército; você é excretado ao expor pensamentos ou idéias diferentes das oficiais”.

Vários outros depoimentos apontam na mesma direção, e o interessante é que muitas vezes o militar se sente isolado não apenas em relação aos seus superiores, mas perante colegas de mesma hierarquia. Tal fato nos leva a crer que possivelmente Moore poderia publicar 10 livros de coletâneas de e-mails contrários à sua visão política para cada um publicado a favor.

Outro ponto corrente nos depoimentos é o susto que muitos soldados levaram ao perceber que não eram bem-vindos em outros países. Como escreve Allison Duncan, da força aérea, servindo na Coréia do Sul: “Muitos coreanos estavam enfurecidos com a nossa presença em seu país. Fiquei doente quando percebi que o mundo odiava a mim e ao país que eu amava tão apaixonadamente. Afinal de contas, como meus pais tinham dito, não era verdade que o mundo inteiro emigrava para os Estados Unidos? Quase não há norte-americanos querendosair para viver em outras partes do mundo”.

Enfim, vários outros temas são abordados demonstrando a visão dos soldados sobre temas de caráter político, e não raras vezes surgem comparações com o Vietnã. Em geral, percebe-se um estranhamento desses militares frente às situações a que são expostos, desde a distância familiar às mortes de civis inocentes, e uma falta de justificativa para tudo isso, criando uma classe de soldados culpados com relação aos atos de guerra e ressentidos com o governo. Mas, que por outro lado, não encontram perspectivas de mudanças, ou canais para expressar seu descontentamento dentro das instituições a que pertencem.

Sendo assim, Michael Moore passa a atrair a maior parte dos soldados críticos. Aparentemente vozes alienígenas dentro das forças armadas, que por razões diversas esperavam um resultado diferente nas eleições de 2004, o que não veio a ocorrer.

O caráter uníssono do livro não desqualifica sua idéia inovadora. As modernas tecnologias e a conseqüente diminuição do espaço-tempo de comunicação geraram a possibilidade de que “soldados anônimos” produzam memória horas após terem estado em combate.

O que antes era publicado em livros biográficos, às vezes produzidos décadas após o soldado voltar para casa, agora se tornou praticamente instantâneo. A todo tempo estão produzindo “fontes miojo”, que em poucos minutos, desculpe-me o exagero, estão prontas para serem consumidas pelos historiadores.

Diferentemente da crítica do San Francisco Chronicle ou a intenção ativista do livro, Cartas da Zona de Guerra não reflete o espírito de uma época, é antes de mais nada uma janela para vozes dissidentes dentro das forças armadas dos Estados Unidos. O que por si só já vale a pena conhecer.

Por: Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior

Ps: Um olhar diferenciado de uma das questões mais controversas dos últimos tempos, as intervenções internacionais dos EUA nos anos de governo Bush. Com o sarcasmo essencial do autor, o livro é uma viajem pelas entranhas das forças armadas americanas.   


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