quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Bons Livros....(46)



SEIS MÃOS BOBAS
ANGELI, GLAUCO e LAERTE  (2006)


Na edição estão reunidas pela primeira vez as histórias em quadrinhos produzidas a seis mãos pelos três mestres do humor brasileiro que foram publicadas nas revistas Chiclete com Banana eGeraldão, entre 1985 e 1989. 
A Garota da Capa, Deu a Louca no Dirceu e O Sol Nasce para Todos e outras histórias mostram a composição perfeita entre o roteiro e a mistura de traços de Angeli, Glauco e Laerte, criando um estilo de desenho peculiar e surpreendente.
As histórias são intercaladas por fotos dos autores em várias épocas.
Positivo/Negativo: Muito antes de Los Três Amigos, que depois viraram quatro, Angeli, Glauco e Laerte já trabalhavam juntos e foram responsáveis pelas revistas de muito sucesso na década de 1980, respectivamente: Chiclete com Banana, Geraldão e Piratas do Tietê.
Nessas revistas editadas pela Circo Editorial, os três se ajudavam e produziam diversas histórias juntos. Inclusive, antes de Laerte ter seu próprio título, suas HQs eram publicadas nas dos colegas.
Essas fantásticas parcerias foram reunidas em uma ótima edição da Devir, respeitando o formato original das publicações e com um acabamento de primeira. Tudo ficou de muito bom gosto.
As montagens de fotos dos três artistas que aparecem entre as histórias são excelentes e retratam bem o espírito de cada um, as mini-entrevistas sobre cada HQ ficaram bem divertidas, além das artes da capa e quarta-capa sintetizarem perfeitamente a coletânea.
As histórias são todas excelentes. Com um humor escrachado, em que pouquíssimo fica no plano da sugestão (é tudo bem explícito) e o traço característico dos três artistas interagindo com precisão, é impossível não se divertir com a edição.
Vale destacar O Garoto da Capa, que coloca o típico sujeito que fica se masturbando com revistas pornôs dizendo que comeria todas em uma situação insólita: duas beldades invadem sua casa e exigem que ele faça sexo com elas.
Colors, Enfim Jontex e Deu a Louca no Dirceu também são ótimas, mas comentá-las tira a graça da piada. Tem a página dupla Paulistano também trepa, na qual você poderá passar um bom tempo tentando ver todos os detalhes do mecanismo de uma máquina de fazer sexo.
Um grande contraponto é a história Deu no New York Times, uma baita homenagem ao Henfil. Essa merece ser lembrada para sempre. Muito engraçada sem ser desrespeitosa, consegue até dar uma certa tristeza com a excelente fala do Henfil personagem: "Eu queria ter vivido em um país um pouquinho menos filha da puta... porque aí eu tava vivo ainda!"
Os traços são totalmente distintos. Angeli faz uma caricatura suja, parece que espirra nanquim para todos os lados, só que de uma forma calculada. Seus personagens são tremidos de linhas grossas e arredondadas. Glauco tem o desenho mais simplista de todos. Com linhas retas rápidas, consegue sintetizar tudo em poucos riscos e sabe dar movimento de forma engraçada aos personagens. Laerte é o mais elaborado. Ele consegue fazer figuras arredondadas que, apesar das distorções, são extremamente realistas. Seu traço é econômico e, ainda assim, detalhista.
E o mais interessante é que desenhistas tão dispares conseguem criar cenas e histórias em que seus traços podem interagir e funcionar muito bem juntos, sem nunca perder a individualidade.
Muito se fala que atualmente as pessoas perderam os pudores, que o mundo está perdido e lembram com saudades de um passado inocente e puritano. Mas o fato é que esse passado não era tão inocente assim e essas histórias estão aí para provar isso.
Produzidas na década de 1980, perto do final da censura, mas com ela ainda vigente, as HQs falavam abertamente de sexo, homossexualismo, swings e várias formas de sacanagem.
Os desenhos retratavam sem cerimônia mulheres e homens pelados, além de cenas de sexo e masturbação que não eram só sugeridas, como muito se faz hoje, e sim completamente escancaradas.
Infelizmente, um muro de falso moralismo e do dito politicamente correto deixou o mundo mais hipócrita e esse tipo de humor dificilmente sobreviveria hoje. Os próprios artistas deixaram esse estilo de lado. Angeli faz uma caricatura da classe média e Laerte com um humor bem refinado e intelectual. Glauco, que ainda tenta preservar seu Geraldão sacana, não tem espaço nas tiras diárias para mostrar seu humor e acaba ficando nas variações do mesmo tema sem sair do tom.
À coletânea só cabe uma crítica. A história Lingerie não é uma parceria de Laerte com os outros dois e foi recentemente publicada pela própria editora em Histórias Repentinas. Apesar de ser engraçada e bem feita, certamente poderia ser substituída por outra.
Na parte final do álbum, nos textos que contam como foram concebidas as histórias, há alguns errinhos de português, como "sombrancelha" (esse "m" não existe) e dia a dia (no sentido de cotidiano) sem hífen. Pouca coisa, mas essas mancadas têm passado com freqüência nos trabalhos em parceria com a Jacaranda.
De resto, vale ressaltar a importância histórica desse material, pois é uma coletânea muito representativa de um excelente momento dos quadrinhos no Brasil. Também é necessário dizer que, mesmo sem essa função de resgate, o material se sustenta por ser extremamente engraçado e, acima de tudo, politicamente incorreto. Com muito orgulho.

PS: Além das 17 histórias, o livro traz no final a História das Histórias, textos nos quais cada um dos autores narra as circunstâncias em que as artes foram produzidas e como era o processo de criação e realização dos desenhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário