PARA QUITAR DIVIDAS CIDADES ESPANHOLA PLANTA MACONHA
Mesmo sem saber reconhecer um pé de maconha, a espanhola Lourdes Bladé, 50, não vê a hora de plantar a erva. Desempregada há um ano, quer ser uma das 50 contratadas para trabalhar nos sete hectares de terra que a prefeitura de sua cidade, Rasquera, na Espanha, vai alugar para uma associação de autoconsumo de maconha cultivar a planta.
Projeto pioneiro na Europa, o convênio assinado no início do mês abre precedentes para redefinir a legislação no continente sobre o plantio e o consumo da droga, na opinião de especialistas. Países como a Holanda já estão analisando o caso.
O aluguel de terrenos para o plantio de maconha foi a maneira que a prefeitura de Rasquera, um povoado medieval de 950 habitantes a 190 km de Barcelona, encontrou para quitar dívidas acumuladas com a crise sem ter de apelar a medidas de austeridade e arrocho fiscal comuns no país ibérico.
Outras prefeituras espanholas – que, juntas, acumulam uma dívida de € 17 bilhões (R$ 40 bilhões), segundo dados do banco central espanhol – também discutem o assunto.
“Uma administração pública nunca esteve por trás de um projeto como este na Europa. Sabemos que cultivar Cannabis (sativa, nome científico da maconha) gera muitas dúvidas, mas a maioria dos políticos na Europa não quer se posicionar para não perder votos. Demos a cara a tapa, e acho que vai virar um valor agregado para Rasquera, além de nos ajudar a quitar dívidas e gerar emprego”, disse à Folha o vice-prefeito do município, Román Borrás.
Pelo convênio firmado com a ABCA (Associação Barcelonesa Canábica de Autoconsumo), com validade de dois anos, a prefeitura receberá € 54 mil (R$ 127 mil) ao mês, além de € 30 mil a fundo perdido (R$ 71 mil) para deixar o grupo plantar pés de maconha em terrenos que eram destinados ao plantio de oliveiras, mas estão abandonados por causa da crise.
O produto final será totalmente destinado à associação, que usa a planta para consumo de seus 5.000 membros, dos quais 30% têm recomendação médica para tal, segundo a porta-voz da associação, Marta Suarez.
“Acho difícil que essa plantação tenha apenas fins privados. Estamos diante de uma transação milionária. Eles estão superestimando um possível efeito benéfico da maconha”, afirmou o delegado do Plano Nacional sobre Drogas do premiê Mariano Rajoy, Francisco de Asís.
Surgida em 2010, no auge da crise, a ABCA viu crescer a demanda de sócios – aceitos após um processo de seleção e só se forem indicados por outros sócios ou tiverem recomendação médica. Começou, então, a buscar novos terrenos para o plantio e encontrou em Rasquera um ambiente propício.
Há sete meses, membros da associação fizeram a proposta para a prefeitura, que, mergulhada em dívidas de € 1,3 milhão (R$ 3 milhões) com fornecedores, aceitou ceder os terrenos. O plantio deve começar em julho.
Tanto a associação como a prefeitura usam brechas na legislação, que permite o cultivo de maconha para o autoconsumo e não penaliza quem o faça em sua propriedade.
Mesmo assim, a Promotoria de Tarragona, na Catalunha, onde fica o povoado, abriu investigação sobre o contrato. Os governos catalão e central, do conservador Partido Popular, são contra a medida.
Para garantir apoio ao convênio, membros da prefeitura de Rasquera estão visitando países da União Europeia. O município fará um referendo no dia 10 de abril, que deve aprovar o convênio.
“Não conheço muito, mas temos de andar para frente, não para trás. Estamos em crise”, disse a moradora de Rasquera, Teresa Ferió, 90.
Já moradores de municípios vizinhos se dizem contrários. “Se plantarem mesmo maconha, vou embora. Vim aqui buscando tranquilidade e paz”, disse a romena Michaela Bechta, 30.
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